11.08.2017

O cancro que levou a minha avó.

É a única doença da qual tenho medo. Não que viva atormentada, mas já me aconteceu estar à espera dessa notícia. Como se fosse uma inevitabilidade. Já olhei para o telefone a vibrar e esperei três segundos, respirei, e pedi "que não seja a dar-me a notícia de que está doente". Já me passou.

A minha avó Isabel morreu tinha eu 12 anos. 
Lembro-me bem demais. 
Do bom e do mau. 

Lembro-me do cheiro a café "a fingir" nas manhãs em que lá dormia, que mais tarde percebi ser cevada, das viagens de autocarro com os velhotes em que me levava, uma das quais metia piscinas e escorregas e outra uma cheia de flores de papel penduradas, que penso agora ser Campo Maior. Se fechar os olhos, recordo-me da finura dos lábios, dos óculos grossos, das pernas altas, parecidas com as minhas talvez, dos pés grandes, como os meus, da voz trémula e de uns olhos meigos mas tristes, de muita pancada da vida, de uma filha que lhe morreu ainda bebé, de operações e de uma saúde debilitada. Lembro-me dos mimos, de nos deixar saltar no sofá e brincar com aqueles bonecos de louça que eram bibelots nos armários dela, que na minha casa não havia, para muita pena minha. Lembro-me do dia em que vomitei amoras, lembro-me das mãos delas, enrugadas, grandes, a secar-me o cabelo e de me deixar dormir na mesma cama dela, a "fazer caixinha" (e não conchinha, como a maior parte das pessoas diz): curiosamente lembro-me de ser eu a meter o meu bracinho por cima da barriga dela. 

Lembro-me de me mostrar a cicatriz na zona da mama, que lhe foi retirada. Lembro-me de viver ainda algum tempo (anos?) assim, mais debilitada mas a dar a volta por cima, aparentemente. Lembro-me de piorar, porque o cancro chegara aos ossos. Lembro-me de quando me disse, no hospital, que já não me iria ver casar. Lembro-me de lhe mentir, com o sorriso maior que arranjei, que ia ver sim senhora e que para não dizer disparates. Quis tanto acreditar naquela mentira... 
Já não a vi nos últimos dias, em que o delírio e as visões da mãe faziam parte, em que já não via nem conhecia ninguém. Ainda bem, não teria tido coragem. Mas já sonhei que me tinha ido lá despedir. 

Não me lembro do momento em que recebi a notícia. Lembro-me de que o dia do funeral foi o mesmo dia em que apareci pela primeira vez na televisão, no Buereré (que era gravado) com os Onda Choc. E lembro-me dessa ambivalência. De estar triste e de estar contente e de disfarçar que estava contente porque me pareceu mal. Não me lembro de muito, depois.

Tenho saudades dela. Tenho pena de não a ter tido mais na minha vida. Tenho muita pena que ela não me tenha visto crescer, não me tenha visto namorar, estudar, ter filhas. Foi-se embora cedo. 

E a partir daí, fiquei com medo desta doença, que mina as vidas de tanta gente. Curiosamente, quando descobri um nódulo na mama que aumentou muito, depois de ter a Isabel, e cuja biópsia foi inconclusiva, quando tive de ser operada, nunca senti medo, excepto na véspera, como escrevi aqui. Achei que não seria nada de grave e que, mesmo que fosse, eu iria superar. 
Mas, a verdade é que, de forma geral, esta doença assusta-me. Vejo muita gente a passar por ela e felizmente mais, muito mais, pessoas a superá-la. Vejo muitas famílias a viver com esse fantasma. Olho para estas pessoas de uma forma absolutamente inspirada, pela força que encontram e que arranjam para acalmar e contagiar os outros. 

A doença que levou a minha avó não há de levar mais ninguém que eu ame, se Deus quiser. Que não vos falte força para enfrentá-la, caso se tenham cruzado com ela. 
E que estejamos atentos a nós, bem atentos, que façamos análises e exames regulares para que, caso nos bata à porta, seja cedo para lhe darmos um chuto.


   
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10 comentários:

  1. Joana a minha avo tambem teve cancro da mama, eu tenho imensos nodulos e este ano tive de fazer uma biopsia (que deu negativo)
    Sempre fui meio paranoica com isto e ate deixei de tomar a pilula para tar livre de hormonas artificiais

    Mas o medico explicou me que como a minha avo teve cancro ja depois da menopausa isso nao aumenta o meu risco de vir a ter! Ufa!

    Isa M

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  2. Joana.. também eu vivo a pensar nessa doença "assim como tu".. tb eu perdi a minha avó por causa dessa doença.. a minha avó..a minha tia..o meu avô! ! Mas o que me marcou mesmo,foi a morte da minha avó.. foi uma lutadora.. pois teve mais que um..até que o último a levou!! À coisas que nos marcam para a vida.. hoje em dia já não tenho avós.. foram todos cedo de mais. Nenhum me viu casar, nem conheceu os meus filhos..
    Gosto de acreditar, que lá cima eles nos veem..e protegem!!
    Um bjinho no coração

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  3. Foi tambem a doença que me levou a minha, há um ano e meio. A minha avó cuidou de mim, foi a minha creche até começar a escola. E o funeral dela foi o primeiro grande click na minha cabeça e no meu coraçao, a minha primeira grande perda, como se da minha mãe se tratasse. E desde entao tambem tenho muito medo dessa doença... obrigada pelo texto Joana.

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  4. É uma doença que de facto impõe respeito e aterroriza qualquer pessoa. E quem testemunha a dor e sofrimento de um familiar, acho que é algo que nunca mais esquecemos.
    O meu pai faleceu com cancro há dois anos e foi de facto horrível

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  5. A mim,essa doença,levou-me a minha mãe quando eu tinha 15 anos,o meu irmão 18 e a minha irmã apenas 3 anos de idade. Lembro-me de tudo,até do dia em que a minha Mãe encontro algo no seu corpo que não era normal e realmente é horrível todo o processo. Tenho pânico de reviver o mesmo com outro familiar próximo e pior,de passar eu pelo mesmo. Olho para a minha filha,que tem 3 anos, e imagino-a sem mim e o quão frágil era a minha irmã quando ficou sem a mãe. Por mais que se recorde,ela não sabe o que é ter uma mãe, foi uma relação que quase nunca existiu..beijinhos

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  6. Este post parece ter sido escrito por mim, salvo algumas particularidades! Escrevo isto com as lágrimas a correr sem a minha permissão... também eu tenho terror a esse bicho que me levou a minha avó, que já tinha vencido um anteriormente e o meu avô de leucemia!!! Tenho muitas saudades... tantas que chega a doer mas sei que agora estão num sitio melhor e sem dor!!! .....��������

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  7. A minha avó morreu da mesma doença quando eu também tinha 12 anos. Vivi com medo dessa maldita doença muito tempo.

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  8. Essa é a doença que me faz andar angustiada...não tenho casos na família mas infelizmente apercebo-me que cada vez mais isso não precisa acontecer. tenho medo que venha ter comigo e que seja mais forte que eu. Parece que tenho fobia e isso prejudica os meus dias...pois a ideia de deixar as minhas filhas pequeninas adoece-me...

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  9. O meu avô faleceu no dia de páscoa com um melanoma no pé.
    Eu descobri que tenho um igual, na cabeça !
    Ando meia adormecida e não quer acordar , mas já fui operada duas vezes. Estou com fé.

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  10. Boa Tarde

    Pode divulgar o meu blog sobre cancro renal? É que é um cancro não muito frequente, há pouca informação e gostava de contactar mais doentes deste tipo,
    Peço desculpa pelo incómodo.

    https://tenhocancrorenal.blogspot.com/

    Cumprimentos

    J Francisco

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