Faz hoje um ano que tive a pior experiência da minha vida. Dia 22 de dezembro.
Chegados de Praga, onde fomos passar um fim-de-semana romântico - e já a morrer de saudades da filha - dou com a ela doente. Primeiro dia de febre, mas uns olhos irreconhecíveis. Veio para o meu colo e nele adormeceu. Senti a respiração dela. Nunca a tinha ouvido respirar assim. Peito no peito e um som que estremecia, vindo do peito dela. Isto não é normal. Urgências já. "Não quero saber que é o primeiro dia de febre, não vou esperar nem mais um minuto." Coração de mãe sabe. Coração de mãe adivinha. Coração de mãe percebeu logo que algo ali não estava bem. No hospital menti, confesso. Disse que tinha febre há 3 dias, porque sabia que tinha de ser vista JÁ, e frisei a respiração sofrida, porque ela não podia ficar com pulseira verde.
Foram todos impecáveis desde o primeiro minuto. Incansáveis, queridos, meigos. Hospital público. Veredicto: pneumonia. O meu coração parou ali. Não aguentei e desatei a chorar. O David ficou inconsolável. Sentimo-nos perdidos. Ia ter de ficar internada, sem previsão de alta. Senti-me angustiada, preocupada, culpada. A primeira vez que fiquei longe da Isabel e ela fica tão doente... Será que, estando cá, teria percebido antes? Ou teria esperado pela febre para tomar esta decisão? Teria a bronquiolite, não detectada por dois médicos na semana anterior, evoluído para pneumonia, se eu estivesse cá, com ela? Horrível a sensação de impotência e culpa.
E ali passámos a semana do Natal, com a visita da família e dos amigos mais próximos. Com a garganta apertada, com noites muito difíceis, com trocas de cateteres em que preferia que me arrancassem um mindinho, com idas rápidas a casa para dormir duas horas e tomar um banho demorado.
Assim foi até dia 27, que passou a ser o nosso dia de Natal. Pus a mesa, com frango assado, na sesta dela montei uma árvore feita de bolacha e assim fizemos o nossa consoada e trocámos presentes, os três. A Isabel recebeu um nenuco, que levou logo com beijos repenicados e que até hoje é o bebé dela.
E este foi o texto de 24 de dezembro:
"E, de repente, os presentes de Natal que ainda faltava comprar, os bolos que não chegaram a ir ao forno, nada disso importa.
Um abraço enorme a todos os pais que passam este Natal com o coração espremido, num hospital, longe do conforto de casa, a ver os filhos doentes. De corpo hirto quando a alma está partida.
Um agradecimento a todos os profissionais que nos ajudam também com um sorriso e com palavras meigas a ultrapassar tudo isto.
Aos que estão felizmente longe desta realidade, peço-vos: abracem-se, amem-se e sintam a sorte de estarem todos juntos e com saúde. Tudo o resto não importa!
E brindem a nós, que somos neste momento um rio de leito estreito. Mas ainda nos vamos voltar a espraiar. As margens vão afastar-se novamente e vamos voltar a correr livremente até ao mar. Em breve. Muito em breve.
Este sorriso da Isabel é tudo o que o meu coração precisa neste Natal. Já estamos a ficar boas. Quase, quase boas."